quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Soneto do Amor Total


Amo-te tanto, meu amor ... não cante
O humano coração com mais verdade ...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

(Vinícius de Moraes)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Lua Cheia


Êta vidinha da boa
Que ela me chama
Tira uma onda comigo
Me leva na boa
Cama de gata
Parece dona
Êta vidinha sacana
E ela é à toa...

Ela se amarra
Ela viaja na dela
Olha menina danada
Não me dá bola
Anda comigo
Parece que vai rolar
Vira essa lua lá fora
E ela vai embora...

Lua Cheia fica doida
Lua Cheia vamos namorar
Lua Nova vida boa
Lua Nova ela quer casar...

Ela diz que me ama
Mas não pode ficar
Meus amigos me dizem
Ela é estranha
Ela desaparece
E diz que não vai voltar
Vira essa lua lá fora
E ela me devora...

Lua Cheia fica doida
Lua Cheia vamos namorar
Lua Nova vida boa
Lua Nova ela quer casar...

(Papas da Língua)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Timidez


Toda vez que te olho
Crio um romance
Te persigo, mudo
Todos instantes
Falo pouco pois não
Sou de dar indiretas
Me arrependo do que digo
Em frases incertas
Se eu tento ser direto, o medo me ataca
Sem poder nada fazer
Sei que tento me vencer e acabar com a mudez
Quando eu chego perto, tudo esqueço
E não tenho vez
Me consolo, foi errado o momento, talvez
Mas na verdade, nada esconde essa minha timidez
Eu carrego comigo a grande agonia
De pensar em você, toda hora do dia
Eu carrego comigo, a grande agonia
Na verdade nada esconde essa minha timidez
Na verdade nada esconde essa minha timidez

Talvez escreva um poema
No qual grite o seu nome
Nem sei se vale a pena
Talvez só telefone
Eu me ensaio, mas nada sai
O seu rosto me distrai
E, como um raio,
Eu encubro , eu disfarço
Eu camuflo, eu desfaço
Eu respiro bem fundo
Hoje digo pro mundo
Mudei rosto e imagem
Mas você me sorriu
Lá se foi minha coragem
Você me inibiu.

(Biquini Cavadão)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Sem Expressão


Não acho
mais
lugar
nas palavras.

Terei
que
aprender
a pintar,
outra arte
qualquer
pois essa
já não
me faz
parte.

seu olhar
acaba
de
me desgraçar.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Eu Te Amo


Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir

Ah, se ao te conhecer
Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir

Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir

Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu

Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu

Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair

Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir.

(Chico Buarque)

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Cupido da Esquerda


Prepara sua flecha no arco cor de rosa
Nu, um anjo do amor, limpa sua asa
Prepara seu vôo, lança ao espaço
Acerta em cheio a pobre alma, num laço!

Guiado pela luz da vela vermelha
Em missão de Deus, um nome que espelha
Um pedido, um desafio, um sonho de sonhador
Observando o mundo, ele concorda, chega de dor!

Na esquerda aonde ele vive, dançando
Usa sua saia, fuma seu cigarro, gargalhando
Tantos nomes errados são lhe dados
Mas não importa, pois é inibido, cupido!

Na verdade é mulher, gira nas ruas
Trancada na devida proporção, é paixão
Na noite, encruzilhada, uma oração fardada
E ao final da luz, traz à mim, minha amada!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Soneto do Amigo


Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

(Vinícius De Moraes)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O Tempo Não Para

Disparo contra o sol
Sou forte, sou por acaso
Minha metralhadora cheia de mágoas
Eu sou um cara
Cansado de correr
Na direção contrária
Sem pódio de chegada ou beijo de namorada
Eu sou mais um cara.
 Mas se você achar
Que eu tô derrotado
Saiba que ainda estão rolando os dados
Porque o tempo, o tempo não para.
Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta.
A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para.
Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não para.
Eu não tenho data pra comemorar
Às vezes os meus dias são de par em par
Procurando uma agulha no palheiro.
Nas noites de frio é melhor nem nascer
Nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer
E assim nos tornamos brasileiros
Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro
Transformam o país inteiro num puteiro
Pois assim se ganha mais dinheiro.
(...)
O tempo não para!
(Cazuza)

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O Mundo Gira Loucamente


Em uma noite clara
Não tão clara, tão pouco rara
Eu ouço sussurros da minha mente
O mundo gira loucamente...

Escondo meus dedos entre cabelos
As estrelas são rostos, espelhos
Sei que a menor ainda sente
O mundo gira loucamente...

Para amar você e deixar partir
Era melhor nunca sentir
Disso eu tenho certeza, estou ciente
O mundo gira loucamente...

Um sopro no escuro, uma oração
O céu, cobertor de imaginação
E por mais que eu tente
O mundo gira loucamente.


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O Amor


O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer.

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr'a saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar..

(Fernando Pessoa)